O ingrediente principal de um café é água.

Por isso é bom que tenhamos torrefações especializadas, espalhadas pelo país, cada um fazendo o melhor em relação a água e os cafés. Vamos dar uma olhada mais de perto do nosso solvente universal e como ela ajuda ou atrapalha os seus cafés.

Café torrado é utilizado principalmente para fazer a bebida café, em todas as suas expressões. Temos culturas e estilos diferentes de torra pelo mundo e muitas vezes eles são resultado da água. Isso é mais fácil ver no mundo dos cervejeiros onde é fato, há muito tempo, que para copiar um estilo de cerveja, tem que recriar a água. Onde tem água com poucos residuais e pH baixo, a mistura de cevada e água normalmente é feita com cevada pouco torrada. Pilsen é um tipo de cerveja que necessita uma água super mole para efetuar a extração da cevada. Isso é por causa do pH da lama, produto da água e da cevada. Com uma água quase pura e com pH baixo, a cevada automaticamente dá uma extração mais forte. Se vai para uma ilha como Inglaterra com muito calcário etc. na água, o malte tem que ser torrado mais para conseguir um pH mais baixo e atingir uma extração decente. Café torrado também é material orgânico alterado pelo calor, porém com processo diferente. Por isso que algumas regiões do mundo torram mais escuro, e por isso que algumas regiões como Escandinávia no norte da Europa podem fazer uma torra bem clara.

Vamos olhar um caso específico: meu lar anterior.

Oslo, a capital da Noruega, tem em volta de 10-15ppm de resido mineral na água e um pH ajustado perto de 7 para a rede de distribuição ter uma vida útil maior. A cidade tem duas vias fluviais principais que ficam em áreas de proteção ambiental na floresta em volta da capital. São lagos e com a falta de temperatura e pressão, a água não tem tempo, nem possibilidade de absorver muitos minerais. Lá, bebemos a água da chuva, filtrada pela floresta, e tratada para ser seguro para consumo humano. Mesmo sendo água da chuva, recém caído e guardado em lagoas grandes, os dois lados da cidade não têm a mesma água. Se quer que seu café fique igualmente impressionante com dois clientes diferentes, talvez tenha que ver uma torra diferente para cada um. Complica a vida porque a torra clara fica na divisa do possível e é uma calamidade sensorial quando na dá certo.

Se quer complicar mais ainda a sua vida, pensa no que vai acontecer depois da torra. O café vai ter que ser moído. Isso não muda muito para você dentro da empresa. Tem a sua água e tem o seu moinho. E o seu cliente? Provavelmente, o seu cliente sendo amador ou profissional, tem um moinho mais simples do que você. Isso significa que tem que fazer umas escolhas. Quer que o café fique perfeito no seu laboratório sensorial ou quer que o cliente tenha a melhor experiência possível? Uma torra bem clara necessita uma moagem que tem como expor todo o café para uma extração uniforme, boa e saborosa. Além disso, necessita material genético específico e perfis sensoriais que ficam bons com uma extração mais baixa. Em geral, cafés do Quênia, Burundi, Ruanda e Etiópia são bons para esse fim. Com perfis frutados, suculentos e cheios de sabor e aroma, esses cafés tinham uma condição diferente de crescimento, DNA diferente e pegam melhor numa torra clara. É difícil fazer isso com Catuaí ou Mundo Novo.

Por que tem essa diferença grande entre variedades e origens diferentes? O DNA faz diferença. Algumas variedades são mais ricas e tem uma estrutura celular que ajuda a torra ficar melhor. Além disso, temos a limpeza do café. É fato que café boia aceita calor de forma mais rápida do que o maduro, além disso, tem uma temperatura final, mais baixa. O café verde e verde-cana atrasa muito, devido à estrutura celular (maturação) e aceitam o calor de forma mais devagar. Quanto mais verde, mais clara a cor depois de torrado. Ao fim de uma torra, com pontos de maturação diversos não tem como ter um processo uniforme. Você não ganha uma torra com desenvolvimento uniforme, e é por isso não ganha um café com impacto sensorial alto. É necessário “afiar” o sensorial do seu café, visando uniformidade de geração de sabor e aroma. Para fazer café torrado com perfil bem definido, temos que ver a nossa matéria prima, como torrar e como moer para ganhar o melhor dos nossos cafés.

Voltando para seus clientes, tem um jeito de fazer o café funcionar melhor para eles que não tem os melhores equipamentos ou água: faça uma torra mais desenvolvida, sem ultrapassar os limites, como a temperatura máxima e a tolerância ao calor do café em qualquer fase da torra. Café tem uma tolerância alta ao fogo no início da torra porque está sendo protegido pela água. Quanto mais tempo o café passa no calor, menos água resta no grão. Isso baixa a tolerância ao calor.

O outro lado de conseguir desenvolvimento alto de sensorial é parar de “jogar água no seu café”. Parece algo que ninguém ia querer fazer, fora a indústria que tem como ganhar dinheiro com um percentual a menos de perda. Para os pequenos, esse cálculo não faz sentido fazer. Nos tempos velhos, chamavam isso de aromatizador. Se olhar torradores de uma saca para cima, de 40 anos atrás, pode achar esse botão que chama “aromatizador”. Esse botão liga o jato de água, dentro do torrador, e é utilizado no final de uma torra para proteger o café. Além de proteger contra pirólise total, a água ajuda a formar moléculas grandes suficiente para aumentar o corpo do café. Isso funciona com ou sem passar o ponto. Um café que sofre umidade demais no fim da torra, sairá muito pesado e esconde os atributos positivos do café. Basta torrar com fluxo de ar muito baixo ou fechar o abafador no final da torra para ver o resultado. É bom você entender o que acontece no sensorial, mas não vale caçar. O resultado é simplesmente desagradável.

Saindo da tangente e voltando para cima, vamos voltar para a torra. O sensor dos grãos mostra perda de impulso em vários lugares durante uma torra não compensada. O primeiro, é a busca de equilíbrio depois de atingir a Taxa de Variação da Temperatura (RoR/Delta/TVT) máxima. Durante a queda de TVT, o café chega numa temperatura que o sistema sustenta, e a queda de TVT fica mais amena ou devagar. Normalmente tem uma queda rápida, que logo freia, da uma queda de novo antes de ganhar estabilidade. Essa queda pode ser difícil ver na curva da torra. É por isso que temos a curva da TVT. Ela funciona como uma lupa para você ver melhor, e controlar melhor a sua torra. Outro ponto crítico fica em volta de 178 graus (perfil de 11 min) quando começa a degradar Trigonelina. O processo gera água suficiente que resfria a sua torra. Então tem que compensar. Logo antes de estalar, tem como ver no registro, que o café resfria de novo. São os grãos começando a liberar água para o ambiente. Se não compensar, perderá muito potencial sensorial. O café simplesmente fica parado em relação a geração de compostos químicos agradáveis, mas ainda está num ambiente quente suficiente para gerar compostos menos agradáveis e degradar o pouco de positivo que já gerou. No final da torra, o problema é o inverso. Falta água para absorver o calor excessivo, e de um segundo para o outro, a TVT soube, mesmo apagando o queimador. Fudeu. É a água ou a falta dela, o torrefador sofre como o produtor. Á água é quem decide. No outro lado, temos opções. O produtor pode sombrear e “plantar água, dando início a um processo com balanço positivo.

Significa que você utiliza o sistema natural de degradação e reciclagem de nutrientes, gerando solo através do que planta e do seu manejo. Num mundo onde vai faltar terra para agricultura daqui a 30 anos, isso é um bom sonho. Água sempre potencializa mudança, sendo de vida, mudança química ou outro aspecto. Para quem torra café, também tem soluções. Se controlar bem a sua torra, pode potencializar ele muito. Existe um patamar acima do que temos no mercado de hoje, onde temos perfis de alta solubilidade, sem ter gosto queimado. Acompanha técnicas específicas na hora de coar para melhor se aproveitar do resultado. Tá chegando a hora de subir de nível e potencializar o mercado e a cadeia produtiva do café. LEVEL UP!